terça-feira, 3 de setembro de 2013

A pedido, de Clara Frantz:

O MUNDO É UM MOINHO
Deixar nossa casa grande e confortável em Cachoeira, para uma aventura distante, num chalezinho mais simples e sem grandes confortos, pode, hoje, parecer inconcebível. Mas era tão falada, tão decantada, através dos meses de inverno, que quase a vivíamos desde então. Em Cachoeira, colégio, pai e Dida trabalhando, manos conspirando sua juventude em quartos fechados, transformavam o ano num tedioso período de preparação. E então partíamos para a praia, onde os quartos eram mais compartilhados, as refeições feitas em conjunto e a liberdade de ir e vir, numa época de poucos perigos, era muito maior. Um dos meus maiores encantos era a adoção das diversas espécies que povoam nossas praias, lagartixas, sapos e seus girinos, peixes. Num dia de garimpo pelo arroio, que dá nome à praia e passava em frente à nossa casa, encontrei um sapo, o maior que já vi e compadeci-me dele pois - pasmem - tinha lábio leporino, segundo explicações do pai, pois pra mim ele tinha era um enorme rasgo na boca. Levei-o pra casa, andava com ele no colo e coloquei-lhe o nome de Quacolino (minha criatividade pra nomes era ótima: Tixinha para a lagartixa e Rabudo pra o girino, além do Quacolino, claro). E comecei um sangrento período de caça a insetos - moscas, formigas, mosquitos -, para prover o sustento de meu novo filho. Mas o Quacolino, mesmo tendo se acostumado comigo e a casa, emagrecia a olhos vistos. De enorme sapo que chegou, sem seu paraíso natural e sem sua liberdade, murchou, diminuiu de tamanho até e já nem falava mais "Quac", com seu lábio leporino. O pai, vendo minha agonia e a agonia do bichinho, principalmente, sentou-me em seu colo e deu-me a primeira lição de desapego. A primeira lição de que amar é deixar livre e que nada, nada nos compensa quando o outro, aprisionado, não é feliz. Muito triste, com o coração na mão, levei o Quacolino de volta ao arroio. Deixei-o lá, certa de que estava fazendo o melhor por ele, porque o pai, ao colocar a situação, sonegou-me a informação de que ele poderia não sobreviver com aquela boca e debilitado como estava, na guerra do mais forte. Deixei-o lá, já contente porque o tinha salvo, sem saber que o mundo dos sapos também é um moinho.
Clara/2013

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