segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

RAPOSA
Numa noite estávamos Antono Carlos Niederauer e eu enchendo a caveira, em paz com o Senhor, no Porta Larga, e eis que surge das entranhas da Terra um dos tantos fãs do Nidi pra estremecer a harmonia da nossa bebedeira.
Sabe aquele borracho que fica em pé, ao teu lado, na mesa? Esse era pior! Além de não sair fora e nem sentar, se desculpava o tempo inteiro e não sabíamos o porquê de tantas desculpas. E nem queríamos saber.
Resolvemos nos livrar dele inventando uma história - o Nidi e eu tínhamos uma sintonia incrível, um puxava um assunto e o outro emendava e assim íamos até o infinito. Repentistas do besteirol - então dissemos pro cara que eu era o Bispo Motta e ele, Niederauer, um presbítero da Igreja Eterna Salvação, vejam só.
Fizemos o mamau se confessar e se converter e passamos o endereço da Igreja, que inventamos, escrito num guardanapo e, finalmente o mala sumiu. Meia hora depois de pararmos de rir, Pastor Motta e presbítero - bítero: aquele que se encharca de bitter - Niederauer esqueceram a pobre vítima e seguiram seus caminhos de bandalheiras e iniquidades,
Se não podes te ver livre de um bêbado chato, faça dele um instrumento da tua alegria: sacaneie-o para o deleite geral, é assim que meus ancestrais ensinaram.
Melhor ainda se for um gambá político, daqueles que vociferam e gritam defendendo seus ideais, o que não foi esse caso. 
Pois não é que três dias depois o mesmo chato nos encontrou no mesmo bar e na mesma mesa e veio furioso pois não encontrou o endereço que passamos pra ele no Beco do Carvalho. Do Carvalho!
E agora? Bom, é o seguinte, não sabíamos que a sede da Igreja mudou para Viamão, pegamos o endereço dele e nos comprometemos em enviar correspondência com o local correto do templo que nunca existiu. Naquela época não havia email nem coisas assim.
Depois que o cara saiu, olhei pro Nidi e disse: Somos responsáveis por tudo aquilo que cativamos, segundo a Raposa do Pequeno Príncipe!
O bêbado eu nunca mais vi, neste meu gauderiar andejo, talvez ande por aí, procurando o templo da Igreja Eterna Salvação, procurando o Pastor Motta e o presbítero Niederauer, quem saberá?
Bueno, chega de lembranças e lambanças etílicas e vamos comer alguma coisa que ninguém é de ferro, certo?
Volto mais tarde, com alguma mensagem natalina pra vocês.

SOY INSANO
Estar doido em espanhol é mais glamoroso, mais chique do que dizer 'estou maluco, aaaah!', aí fica meio bagaceiro. Agora vejo na Globo uma senhora loura parecida com a Xuxa com um Papai Noel que canta pagode e é afrodescendente. Minha sanidade derrapa e cai no abismo abissal da demência induzida!
Tudo me leva a mergulhar na paisagem psicodélica da alucinação, do delírio das meninas carnívoras em uniformes do maternal, com suas facas reluzentes, correndo atrás de coelhos alvos alvissareiros saídos de cartolas para abatê-los e servir no jantar recheados com más intenções! 
A neve branqueou tudo e nem consigo caminhar, levantar os pés, é sempre assim quando mergulho na demência; alguém atrás de ti e os pés não saem do lugar, pesados! O problema é que não consigo acordar, puerra! Tudo branco, neva neve nave nunca pára, numa nuvem branca parece que o Hermeto Pascoal e o Sivuca estão na brancura da nevasca e não consigo vê-los, talvez novelos de novelas tortas hortas mortas, quem se importa, na porta batem longe ouço aqui campainha rainha, puxa!
Caraca, o que foi que comi no almoço que fiz essa viagem lisérgica! Pareço o Chapeleiro Louco, rapaiz! Se não é tocar o porteiro eletrônico com alguém pedindo panetone e qualquer Moët & Chandon Impérial que esteja sobrando na prateleira, continuaria num caleidoscópio enfurecido. Mas estava demais da conta, tava mesmo!
Depois eu volto, vou limpar aqui que as meninas sujaram toda a sala correndo atrás dos malditos coelhos, essa criançada!

FORMATURAS
Acordo naquele limbo cinematográfico, apatetado com a a beleza da moça ao meu lado, que se espreguiça entre os lençóis de cetim almiscarado qual lânguida felina. De onde saiu essa dama lasciva que ronrona enquanto seu braço adormecido enrosca meu pescoço? 
Ora, ora, minha imaginação é insuperável. Me leva à viagens lúbricas em lugares perversos e sacanas, sem precisar gastar nenhum centavo e de cara, sóbrio! Acho que os remédios que tenho tomado criaram uma nova pasta no meu cérebro! Baixaram um aplicativo que me conduz ao limiar da sanidade e me traz de volta são e salvo, coisa boa.
Guardo a formosa moça sob o travesseiro e espanto os anões albinos que insistem em pular na minha barriga jogando escravos de Jó, jogavam cachimbó, chatos esses duendes, meu Deus!
Quero um café. Não consegui acender o fogão no botãozinho elétrico e achei uma coisa que pensava não existir mais: uma caixa de fósforos!
Me irrito pois os dois primeiros pauzinhos que risquei estavam usados. O que leva um ente a guardar um pauzinho de fósforo riscado de volta na caixa a não ser a clara intenção de te sacanear, hein? O ente conseguiu.
Calma, Paulo Motta, não deixa a humanidade te irritar tão cedo assim. Hoje é sábado e não tens que ir na formatura da filha da vizinha e nem no batizado da sobrinha da tua namorada que, por sinal, tu não tens. Nem namorada muito menos sobrinha dela, yeah!
Nessa época do ano pipocam formaturas, batizados, presépios vivos com parentes mirins dos outros - até porque sou filho único, filho de mãe filha única, a Norma Motta - e tudo nesse calorão bagual que derrete o que restou dos meus miolos. 
Já passei por formaturas em que o ar-condicionado não funcionava, aí vocês me imaginem enfiado num terno escuro, em pé - pra variar cheguei atrasado - não conseguindo entender nada do que o paraninfo discursava e suando feito um torneira, um mimo!
Acontece que te convidam pra essas efemérides em junho, julho, quando estás aboletado na frente de um carmenére ou pinot noir sem pensar no dia de amanhã. E se pensasse não adiantaria nada pois a tua cara metade jamais permitiria que ousasses pensar em não ir ao suplício. É ou não é?
Mas vamos adiante, o dia está calmo, o sol está solando, o vento ventando, os bêbados se embebedando e os azuizinhos multando, tudo está em seu lugar, como diria Benito Di Paula.

TELEPHONE
Alguém lembra desses aparelhos que os antigos usavam para se comunicar à longa distância? Funcionavam ao introduzir uma ficha metálica que lhes permitia falar por determinado tempo. Para continuar poderia se introduzir mais fichas enquanto fosse necessário. Os dinossauros viviam com os bolsos cheios de fichas, era uma merda!
Esses artefatos medievais eram interligados por fios e, finalmente, ligados a um gigantesco terminal chamado central telefônica.
Quando houve a Grande Ressaca dos Autômatos, os últimos humanos venderam tudo pros alienígenas malvados e sumiram numa nave-avó - a nave-mãe já tinha cravado o pé no espaço - e foram em busca da Felicidade Suprema no planeta Oyo Doku's, próximo à galáxia Takeuspa!

PURA BRUXA
Não que eu fosse um degenerado precoce, mas desde a infância as bruxas habitavam o sótão sombrio da minha imaginação. E nunca como criaturas aterradoras ou malignas, nada disso. Estavam lá guardadas, depois da matiné, rodopiando entre móveis envernizados ou ao piano solando Bach, vaporosas em seus vestidos etéreos, com aquele encanto sinistro que só as malvadas possuem.
O risinho tímido das donzelas virginais era sufocado pela gargalhada fascinante das bruxas esculturais e sublimes. Incomparáveis às Brancas de Neve ou Belas Adormecidas, tão frágeis e certinhas que chegava a dar pena. E dava, tanto que a gente torcia para que as temíveis bruxas se dessem mal pra mocinha casar com o príncipe encantado e terminarem em lua-de-mel no castelo do alto da colina por pura piedade, nunca por justiça, acreditem!
Mas até o príncipe, no fundo, no fundo, queria a elegante e voluntariosa bruxa má! A maldade fascina e as tolas princesinhas reclamavam muito do cheiro do cavalo, tinham a mania de conversar com os passarinhos enquanto poderiam estar preparando um banho afrodisíaco, com um vinho tinto cortado, vestindo meias sete-oitavos e um espartilho negro debruado com vermelho-sangue!
Agora é tarde! A bruxa linda, deliciosa maravilhosa caiu no penhasco e sobrou a princesinha enjoadinha que quer chamar um táxi pois odeia o cheiro do cavalo, o cavalo, a mãe do cavalo e rasgou a meia ao montar no cavalo, que ódio, que ódio!
Mas, enfim, me restava imaginar que o príncipe esperava a princesa se entupir de Rivotril e galopava para se encontrar com a bruxa má, que não morreu graças ao seu pterodáctilo doméstico que a levou para casa em segurança e eles viveram um lindo triângulo amoroso. Viram que lindo? 
Não custa nada esculhambar a Carochinha de vez em quando e deixar a criatividade funcionar, não é? 
Buenas noches, muchachos e muchachas!

LOBO II, O RETORNO
Fomos dormir madrugada hoje, com o Lobinho contando suas aventuras de caserna. Sempre digo que na idade dele eu era um delinquente, um pivete que volta e meia ia pra cadeia por baderna, borracheira, essas coisas leves, mas ele não seguiu os passos do pai, que lástima!
Esse garoto está se transformando num debochado irônico, não sei a quem puxou. Ouvimos o cara na tevê contar que vários vegetais caíram na via pública com o temporal, bloqueando o caminho. Imaginamos, imediatamente, brócolis, couves-flor, rúculas e alfaces esparramados pela rua atrapalhando a vida dos humanos, muito engraçado.
São as novidades com as quais a imprensa nos brinda com certa frequência. Está ficando mais difícil entender o que o locutor janota quer dizer com vulnerabilidade social, mobilidade urbana, menor apreendido - não pode dizer que o pivete foi preso - e a redesignação sexual, bancada pelo SUS, para tratamento da desordem do transtorno de identidade aos transexuais e transgêneros. 
No infringir dos embargos: mudança de sexo para travestis. Espero que não me tachem de doidofóbico e cerquem minha casa com tochas e cães para me jogarem numa linda fogueira em praça pública, tomara que não.
É muita palavra nova e muita coisa que mudou de nome pra minha cabeça medieval, que não consegue acompanhar essa geração do recorta-copia-cola-deleta.
Meu falecido Tio Demêncio Ventana certa feita se viu cercado por uns bandidos, lá pelas bandas o Para-Boi, em São Borja, que lhe intimaram:
"É tu que anda dizendo por aí que quando nóis estemos solitos semo tudo cagão, hein, hein?"
E Tio Demêncio, na bucha:
"Nããão, o que eu disse foi que os elementos do seu grupo quando isolados carecem de seus atributos de audácia!".
"Ah, bom, então tá..."
Mas penso que mudando os nomes, as designações das coisas, complica e não resolve. É mudar o nome do doente esperando que ele melhore. Ou dourando a pílula pra nos empurrar goela abaixo.
O Lobo comprou tecido pra fazer uma fantasia de Beetlejuice, do Os fantasmas Se Divertem e tá me azucrinando aqui.
Volto mais tarde, bom almoço pra vocês, gente amiga, amiga da gente.

CANÍCULA
Como diria Ruy Carlos Ostermann - ou pelo menos dizem que ele disse - nesse calor senegalesco achei importante achar outras denominações pra essa coisa que nos derrete vivos, como se fôssemos barras de chocolate ao sol!
Canícula foi o sinônimo mais próximo de forno que encontrei. Canícula. Nada a ver com cães ou afins, somente canícula que já lembra desertos e outros ambientes tórridos, tirando motéis. Vivemos dias de canícula, vou experimentar quebrar um ovo e deixá-lo dentro de uma frigideira no sol, à tarde, só pra ver o que acontece.
Essa palavra deve ser parenta da cinofilia - amor aos cães - e do cínico, que é alguma coisa do tipo amigo cachorro. Eu sabia que cínico não era boa coisa. Todo o prédio tem um cínico do qual ninguém gosta. Não, não, esse é o síndico, desculpem.
Mas, mudando de assunto, sempre digo que sou um ser anacrônico, meio medieval que pára pra observar um avião decolar suas quase duzentas toneladas cheio de gente dentro.
Se parar pra pensar como essa geringonça voa contigo dentro, tu pega um ônibus. Melhor não saber e entrar sem perguntas.
Se eu sou um cara remanescente da Pedra Polida, meu filho, o Lobo, é um bichinho pura tecnologia, como toda essa gurizada. Desde que ele chegou, encontro aparelhos estranhos apitando pela casa. 
Ontem uma caixinha esperneava e buzinava sobre o sofá; me enchi de coragem e levei até ele. Era um aplicativo que ele estava baixando via iPed ou coisa parecida.
Achei que baixar aplicativo fosse algo como chamar uma entidade para nosso meio, num ritual cibernético-espiritual mas não: é só um aplicativo que ele me ensinou o que vem a ser, mas a minha má vontade com as miçangas e espelhinhos do momento não permitiu entender.
E as câmeras digitais, então? Em nada lembram as Kodak Xereta que surgiram logo depois de Pedro I romper com Portugal. Tenho uma câmera no meu celular mas tenho certo receio de acioná-la e ela me chamar de burraldo, não é assim! Parece que não sabe ler, Paulo Motta! Sim, esses artefatos além de inteligentes te xingam se tu errar ao apertar os botõezinhos.
Esses dias recebi uma antipática mensagem do Todo-Poderoso Cérebro Eletrônico do Universo: "Você não está autorizado ao acesso desta página!", certo, tá bom, foi sem querer, desculpa! Acho que quis dizer "Não entra aí que é proibido, seu bosta!".
Já estou me acostumando a levar ralhadas dos deuses virtuais, fazer o que, né? Agora tentei postar aquelas carinhas @me sentindo putodavida e apareceu: "O que você está fazendo?", não mexe aí seu estúpido, pronto, pronto, parei de mexer! Inclusão virtual é isso aí.
Mas que esses gnomos-zeladores são mal-educados ah, isso são!
Bom almoço a todos e todas meninos e meninas, depois da sesta voltarei entupido de novidades.

COISAS QUE ME IRRITAM (II)
Além do cinzeiro derrubado ao estender a mão pra pegar o copo de uísque e do cara que passa ao teu lado no caixa eletrônico dizendo: "Deixa um pouco pra mim!", uma das coisas que mais me irrita é a turma da patrulha saudável.
"Já vai fumar? Mas tu acabou de apagar um cigarro?", sim, mas a Souza Cruz me paga por hora a cada cigarro carburado e vão pagar meu enterro, desde que coloquem o logotipo deles sobre o esquife.
"Vai comer mais? Escondam as panelas que o Motta vai dar prejuízo!", claro, quando estou numa boca livre, tudo o que quero é alguém gritando isso na minha orelha! 
"Mas quantas cervejas tu já tomou? Credo, como é que pode?", aí a cerveja desce foderosa pra dentro das entranhas e faz o fígado atirar um pouquinho de bílis sobre o chato. 
E são sempre os mesmos. Numa festa cuida o cara que sair com aquela piadinha dinossáurica "Quem senta na ponta paga a conta!", esse será o teu algoz, mas haverá outros, eles são uma legião, estão por todos os lados te cercando e farão o possível para se tornarem inconvenientes e inoportunos, tirando o teu prazer de encher a carinha, testando a tua fé no Senhor com tormentos inimagináveis.
Tenho uma espécie de imã que atrai gente assim, me garimpam nos locais mais remotos possíveis e contam histórias intermináveis de um carro batido, do concunhado que é diretor do Detran e morreu num surto de calopsite aguda em Babaus. Babaus é distrito da República de Patavina, a noroeste de Bulhufas.
Pra arrematar, os casados ouvirão essa da ilustre cônjuge: "Tu não acha que já bebeu demais?". É o golpe derradeiro! Os canecos transbordaram, é melhor sumir.
Bueno, ótimo almoço pra todos e nos vemos daqui a pouco, depois do programa Cozinhando Com Dona Mimi Moro!
Abracinhos e beijo carinhoso no ventrículo esquerdo de vocês!

KANEKALON
Vamos brincar de faz-de-conta, vamos? Então tá! Faz-de-conta que o governo socialista-trotskista privativista brasileiro resolveu dar uma de macho, peitar os americanos ianques-imperialistas-capitalistas-espúrios e dar guarida ao Edward Snowden, grande fofoqueiro que deixou os gringos com os olhos azuis arregalados e os cabelos loiros em pé ao divulgar intimidades de um monte de gente boa, inclusive o papo que rolou entre a Michelle Obama e o marido, depois daquela arrastada de asa dele para a fortona viking primeira-ministra da Dinamarca, no velório do Mandela.
Nem vamos falar nas conversas entre o Sarney, Collor, FHC, Dilma e Lula nas horas que ficaram fechados dentro da nave estelar que os levou ao mesmo velório, onde confraternizariam todos em alegre convescote.
Pois então: o Snowden chegará no aeroporto recepcionado por grupelhos que atirarão tomates e gritarão palavras de desordem, tudo acompanhado de longe pelo Renan Calheiros. Pelo menos ele terá alguma serventia, com informações que poderão ser usadas para alguma crocodilagem futura.
Não será como o Cesare Battisti que só o que faz é passear e esquiar às custas do governo federal, ou seja, às nossas custas.
O Obama ficará furioso e enviará o Stallone, o Chuck Norris e o Schwarzenegger para resgatá-lo, mas eles serão vítimas de um arrastão e ficarão pra ver a Copa.
Nesse torvelinho de emoções, a Comissão da Verdade resolve investigar a morte do Castello Branco, pois essa história do caça que atingiu a cauda do Piper que ele viajava está muito mal contada! Uma testemunha jura que, na verdade, foi a nave soviética Sputnik, pilotada pelo Marighella, que colidiu escafedendo-se sem prestar socorro. A Comissão apurará, duela a quem duela!
Por enquanto estamos no terreno do faz-de-conta, mas quem duvida das insanidades acima é mais doido que eu!
E, pelas informações do Snowden, a Michelle usa kanekalon. E o penteado é pigmaleão!
Boa tarde pra vocês, vou tomar um pouco de banho e juízo! Não, não convém misturar!

JOÃO TELMO
O João Telmo foi um dos meus melhores amigos e meu mentor palhaçal. O bom humor dele era linear, nunca desaparecia, ele ria até de fratura exposta. Com ele aprendi os segredos da gargalhada, da gaitada, da pândega na hora certa que derruba o mais animalesco dos selvagens.
Me dizia, sempre, se alguém te afrontar, não grita, ri, só ri, é a pior coisa pra alguém enfurecido! Sua tese o levou a sair no braço com muita gente, algumas vezes, coisas de guri.
Já contei de uma feita que esperávamos pra entrar num baile no CTG Tropilha Crioula e um cara encostou uma picape na nossa frente, com o braço pra fora empunhando um reluzente Taurus 38 e falou pro Telmo: "Tu te lembra de mim?" e ele: "Mas como vou me esquecer da tua cara se te tomei essa bosta de revólver e ainda te babei de laço, jaguara!". Quem estava por perto começou a rir e eu escorri pelo primeiro buraco que encontrei.
Moramos juntos no Edifício Haiti, na Rua da Praia, 393, apartamento 77, um mimo de apartamento! Arrancamos as persianas pra servirem de biombo no nosso apê-ovo.
Numa noite erótica ele estava tendo um momento íntimo com uma donzela que fazia favores por dinheiro, e essa mesma formosa dama começou a gritar "Ai, negrinho, negrinho, vem negrinho!", aí o vizinho do apartamento de cima gritou: "Vamu lá, negrinho, goza duma vez que já são duas da manhã e eu tenho que trabalhar amanhã cedo, caraleo!". Coitado do negrinho, teve seu coito interrompido.
Era um jovem empreendedor. Quando se juntava ao irmão mais velho, o Ilo, podia-se esperar o inusitado.
Ele, o Ilo e o Horácio, um velhote engraçado, abriram uma fábrica de extintores ali pela Zona Norte, e um dia o Ilo ralhava o Horácio sei lá porquê e o Horácio: "Mas Ilo, errar é humano!" e o Ilo: "Mas tu é humano demais pro meu gosto, véio!".
Mas a tal fábrica de extintores ia de mal a pior e o Telmo, com sua ampla visão mercadológica, arrumou uma carteira fria de fiscal da prefeitura e se foi, com o Ilo pras vilas e morros. A coisa funcionava assim:
O Ilo - que era mais parrudo e barbudo, tinha mais cara de fiscal - chegava no armazém, bar ou qualquer coisa do gênero, se identificava como fiscal da prefeitura e intimava o dono a botar extintor de incêndio no estabelecimento senão a multa correria flôxa! Isso mesmo: flôxa!
Em seguida à saída do fiscal frio, encostava o Telmo com um carro cheio de extintores. O bodegueiro erguia as mãos agradecendo aos céus o envio de tão precioso cavalheiro cheio de extintores. Mesmo assim não conseguiram salvar a fábrica e, pra não perderem matéria prima, a fábrica de extintores virou fábrica de abajures, mas isso é outra história!
Que ele esteja gargalhando junto ao Patrão Celestial e aprontando das suas com as anjas virgens.
Bom almoço pra vocês, meliantes e meliantas.

BURRICE
Olha, estou com medo de me infectar com a onda de estupidez que vem junto com a maravilha tecnológica que é esse canal aqui, o Facebook e similares. Não me refiro à estupidez de maus modos ou truculência verbal, nada disso, amigos e amigas, me refiro à burrice mesmo, a falta de conhecimento sobre assuntos dos quais pessoas muito falam e pouco sabem, sabem?
Me divirto com as placas com mensagens absurdas - que até vá lá - mas agora rola por aqui um comentário de uma moça bonita indignada com tantas mensagens sobre Mandela e apostando que muitos nem conhecem uma única música do Mandela!
Não que eu seja uma sumidade, longe disso, mas conheço minhas limitações e calo na medida em que meu bom senso desperta.
Sei que estamos na era da geração copia-cola-envia-deleta mas diante de uma asneira desse porte, custa-me crer que essa burrice seja real, sério! Acho nos deparamos com um fenômeno gerado pelo acúmulo de cretinices jogadas dentro da cachola desse meninada, tipo um Godzilla Digital Bronco, que dominará o planeta se não for detido a tempo.
O ser humano criou a inteligência artificial e agora uma surda revolução beócia reage com a burrice artificial, isso é atemorizante, senhores e senhoras ouvintes, o fim dos tempos! 
Talvez haja esperança se ainda não jogaram os livros de papel no fogo, por se originarem das arvores que estão em extinção e cortá-las é politicamente incorreto; o que as ONGs vão pensar?
Se tudo for em vão, a última alternativa será mandar Schwarzenegger - O Exterminador do Futuro - ao passado para eliminar o Ted Leonsis, o Mark Zuckerberg, o Steve Jobs, o turco Orkut e outros que inventaram as redes sociais, quem viver viverá e verá.
Acho que estou exagerando um pouco, mas que a burrice hoje em dia está em ponto de contágio, isso está, é bom ficarmos em estado de alerta e longe de quem fala 'menas', 'rezistro' e 'indentidade'. Ah, e de quem procurar CDs do Mandela In Concert.
Até amanhã, caríssimos e caríssimas, durmam bem, tiau!

domingo, 22 de dezembro de 2013

PLEBISCITO
O pastor Farco Meliciano ao apagar das luzes enquanto deixa a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, deixou protocolado um projeto que propõe um plebiscito sobre a redução da maioridade penal.
Como esse cara é antipático e tudo o mais que já se disse sobre ele, todos serão contra, é óbvio. 
Preparemo-nos para grandes, raivosas e vazias discussões sobre como os ricos são maus e os pobres bons.

COWBOYS & SAMURAIS

Realizado em 1960, Sete Homens e Um Destino - ou Os Sete Magníficos - reúne Yul Brynner, Steve McQueen, Charles Bronson, Eli Wallach, James Coburn, Host Buchholz e Robert Vaugh num épico do bang-bang. 
Baseado no Os Sete Samurais, do Akira Kurosawa, 1954, com Toshiro Mifune, Toshiro Mifune e mais Toshiro Mifune porque são todos a mesma cara.
É a história de sete homens com procedências e interesses diversos que se unem
para livrar uma cidade pacata de bandidos asquerosos. Bem movimentado e a bala comendo solta, é um belo filme, vale a pena pra quem não viu. Vale pros dois.


SUCURI
Junto com a capacidade de ler, assimilar e entender o que se lê, ganhamos a capacidade da interpretação. E exercemos essa capacidade de acordo com nossas conveniências, o que não invalida o conteúdo mas macula a essência do que o autor quis dizer na obra. 
Nunca li Antonio Gramsci, Marx, Trotsky ou Santo Tomás de Aquino, pra minha cabeça seria uma ode à chatice cósmica galáctica. Já tentei, juro pra vocês. 
Tive uma semi-namorada quase sem uso, que fazia Artes Dramáticas na UFRGS, e intelectualizava no Libelu e eu, para entrar no clima comecei a ler As Confissões, de Jean-Jacques Rosseau. Uma leitura pesada - o livro terminou como peso pra porta não bater - que só me agradou enquanto a moça gravitou no meu JK da Duque de Caxias. Não engravidou, gravitou, certo?
Talvez se eu tivesse lido qualquer um desses caras que citei, minha vida tivesse tomado outro rumo, quem sabe? Pelo que vi, rapidamente, todos são muito sérios, muito sisudos e eu já chegara à conclusão de que vim ao mundo pra me divertir e não pra salvá-lo. Talvez pudesse subverter alguns argumentos desses escritores e usá-los em meu benefício, quem sabe?
Sei não, mesmo sem lê-los já inventava coisas em rodadas de cervejas do tipo: "Como diria Gramsci: o proletariado deverá ser conduzido acima dos interesses do Estado enquanto estado!".
Nunca alguém retrucou ou me chamou de farsante - e não foi por elegância - sinal que ninguém entendeu nada e nem iria procurar em obras de Gramsci se eu estava mentindo ou não. Acho que eu seria um bom político.
Considerando que o ser humano se mata alegando que o sacrifício da pilha de mortos na porta da sala é dele e para ele mesmo, achei melhor ficar longe da equipe que está aqui para nos salvar.
Nunca consegui dar sentido a isso, extrapola o meu escasso entendimento do habitat no qual estou inserido. Melhor ficar restrito a esse escasso entendimento: trabalho, pagar contas, bar, uma menina bonitinha, bar, trabalho, não pagar alguma conta, um Jack Daniel's sem culpa e dar risada, afinal de contas, alguém tem que, não é?
Em seguida retornarei, uma amiga de Rondônia me prometeu um novo bichinho de estimação: um filhotinho de sucuri, um amor. Vai trazer pessoalmente, aguardem!
Vou ver minha novela das oito, a Chisputa, até já!
*Desculpem, Chispita.
LULU
Vejo e ouço muita coisa sobre o Lulu. Desenferrujando o anacronismo, consegui engrenar meus conhecimentos do mundo virtual e entendi que Lulu não é uma pessoa, não é um cachorro e, muito menos, um personagem de mangá*. É um softer - acho que é assim que se diz - que a moçada usa pra aferir o desempenho dos rapazes pegadores na balada, se não é, é parecido. Onde digo moçada, leia-se meninas.
  Já existe um levante, uma revolta das vítimas que se dizem invadidos, espionados, sacaneados e ninguém precisa saber que o galã bombado do muay-thai tem pinto pequeno. E meio pau meio tijolo. Nesse caso, tijolinho.
Se bem recordo, nos meus tempos de antanho já havia o Lulu nos bares, nos banheiros femininos, durante os bailes e boates e ninguém perdia a autoestima quando descobria que estava sendo zoado, mesmo que fosse de viva voz e não percorresse o universo pelos tablets da vida.
  Sempre lembro da morte da galinha quando vejo a meninada que está aí, sofrendo e se mutilando moralmente quando coisas assim acontecem.
  Um dia passeava pelos corredores refrigerados do supermercado com meu filho, o Lobo, e ele me perguntou, do alto de seus quatro anos, quantos corações tinha uma galinha, apontando para um bandeja de coraçõezinhos.
  Ora vejam, ele pensava que as bandejas traduziam o que era uma galinha, senhores e senhoras ouvintes! Então construímos uma galinha segundo a concepção dele, que teria vinte corações, seis coxas e umas quatro sobrecoxas distribuídas pelo corpo bizarro do galináceo. Faltou lugar pras coxinhas da asa, acreditem.
  Quando passamos as férias no sítio da vó Norma Motta e vô Cyro Rangel, ele viu uma galinha ser morta e acompanhou todo o processo de assassinato da ave: do pátio até a mesa. Comeu, gostou e entendeu que nossa comida não brota nas prateleiras do supermercado e nem nas do armazém.
  Me parece, na minha ingenuidade interiorana, que há uma grande lacuna na cabeça dos nossos filhos, do tipo quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Em que contexto estão inseridos e coisas básicas como causa e consequência. Brinquei, dia desses, que estamos diante da geração Miojo - parafraseando Mário Sérgio Cortella - tudo tem ser rápido, em três minutos, senão vem a frustração e a baixa autoestima. 
  A rapidez dos acontecimentos é tanta que periga chegarem aos quarenta anos imaginando galinhas atômicas mutantes, vindas de outras galáxias, rá!
  Estudar, balada, namorar, se formar, balada, trabalhar, balada, pegar outros seres humanos na balada, trabalhar, casar, filhos, amigos, trabalhar e, um dia, desembarcar desse trem que ninguém é eterno, tirando o Sarney.
Necessário entenderem que estar aqui, nesse exato momento, beijando alguém, rindo, tomando um honesto Jack Daniel's e fazendo amigos é a consequência, mas pra ela - a consequência - existir, precisa causa. 
  Tá, chega de encher o saco de vocês com filosofia de gaveta, vamos falar sério: e o Aecinho hein, hein? Cresce nas pesquisas que nem rabo de cavalo: pra baixo!
Não precisava ser tão bíblico: do pó vim, ao pó voltarei! Era pra ser apenas uma mensagem subliminar e virou esse pandemônio, que coisa, não é?
  Bem, vou até a cozinha em minhas duas patinhas traseiras e sem muletas, uia! Perdi minha parceira de xadrez, minha mãe, a Norma, voltou hoje para São Borja. 
Jogar xadrez com ela é uma aventura, ela trapaceia! Minha mãe trapaceia no xadrez, é mole? Que tipo de filho essa senhora pode ter concebido, meu Deus!
Até já!
*Mangá - Gibi japonês.
FULECO
Há pouco perguntei o que é o Fuleco. Não sabia, juro pra vocês! Me fui ao Google. Fiquei mais bestificado ao saber, no Dicionário Informal - olhem lá pra não dizerem que estou sob efeito da pílula lilás - que é o apelido do ânus, a cavidade anal, sacaram?
@me sentindo idiota, que nem dizem os bonequinhos nas mensagens. Fuleco! E é, também, nas raras horas vagas, o nome do Tatu-Bola mascote da Copa, inacreditável! Assim não há fuleco que aguente tanta sacanagem! Ah, mas esperem aí! Tudo a ver, claro! Sacanagem, fuleco, safadeza, bota no fuleco daquele ali, tira do fuleco lá e mete no fuleco aqui, como não percebi isso!
Não me dei ao trabalho de procurar quem foi o idealizador de tamanha heresia e, ao mesmo tempo, ironia descarada. Olhaí o Fuleco, gente! Se eu fosse o Tatu-Bola processava essa camarilha de gozadores, ah, processava! 
Mas a Copa já está em andamento e nada poderá deter as emoções que nos serão proporcionadas pelo magnífico evento. 
Vou até a cozinha assaltar a geladeira depois volto. Cuidem do fuleco de vocês, hein?
ENEM
No que você está pensando? Essa pergunta sempre salta na minha jugular e eu sempre respondo, mentalmente: bobagens, asneiras e nada que te interesse! Mas já acostumei com a indiscrição desses duendes e gnomos que habitam os silícios e algoritmos do meu computador e vou adiante.
O Mercadante, Ministro da Inducação e Cultura, o Minc - não, não, o Carlos Minc é Ministro do Meio-Ambiente - poderia criar o ENEMA, para aferir o nível e a qualidade da burrice dos nossos amados estudantes. 
Bom, vocês sabem o que é enema, não é? No infringir dos embargos, lavagem gastro-intestinal para eliminar impurezas das tripas. Desculpem a escatologia, mas a ideia pareceu razoável e me senti à vontade para lançá-la aqui. Ou expeli-la, como preferirem.
As perguntas seriam pegadinhas espirituosas do tipo: Quantos animais de cada espécie Moisés enfiou na Arca para aguardar o Dilúvio? 
As alternativas seriam cinco: a, b, c e d, considerando que os alunos saibam que isso é a ordem das letras do alfabeto e não o nickname de algum bródi do feice, senão seria Alpha Betus naum eh? Hausahuahuaushua!
Se a prova fosse - Deus nos acuda - descritiva, teríamos respostas mais ou menos assim:
- Moisés era arcanjo pois era dono da Arca.
- Moisés botou um animal apenas pois arcava com muitas despesas e não podia levar mais de um.
- Moisés nunca colocou nenhum animal na Arca, pois Arca era um estrumento* de cordas que Moisés tocava nas festas do Delúbio e depois emprestava para os anjos tocadores de arca.
O resultado disso seria um festival de bom humor e gargalhadas entre pessoas mais ou menos bem informadas e um termômetro para sabermos a quantas anda a ignorância dos nossos jovens. 
Ao invés das já famosas pérolas do ENEM, teríamos as Pérolas Fecais do ENEMA, mais um passo para a inclusão social da burrice, vejam que lindo! Tudo pelo social, inclusive os do Tony Ramos!
Chega de esculhambar a estupidez alheia, vou cuidar da minha vida e tentar achar um CD do Mandela, aquele cantor jamaicano que canta musica afrodisíaca, que veio da África! 
Até já, vou tomar um pouco de banho e volto, tá?

*Estrumento é ipsis litteris, como um jumento escreveria, mesmo Moisés não sendo o cara da Arca. O cara da Arca era Noé.
SURPRESA
Amigos, amigas, o Natal se aproxima e a variedade de porcarias e coisas inúteis que tentam te empurrar goela abaixo não tem coisa igual. É tu te descuidar e lá está um CD do Naldo Sincronizaldo ou do Power Guido na tua mão. E tu paga pra te ver livre do chato.
  Vais ganhar uma multidão de afilhados e sobrinhos que chega beirar a verdade. "Olha aqui, madrinha, tá barato o saco do Papai Noel pra pendurar na arvore!" e vamos adiante que faltam os presentes da Tia Corda e do filho da Bernadete e tu nem sabes quem é a Bernadete. 
  "Tio, tio, tá bem guardado, tio!". Flanelinha é um ser demoníaco que surge das trevas na frente do carro pra te achacar como se a rua fosse dele e, se tu não pagar, corres o risco de muitos riscos na amada lataria que é polida idiotamente todo o final de semana.
  Nesse torvelinho de emoções muito cuidado com o que vais comprar. Os papais noéis de chocolate da foto anexa são exemplo disso. Na embalagem são inofensivos confeitos, mas despidos tornam-se objetos de fazer desmaiar a Tia Corda e todas as tias necessitadas ao redor. Não deixe à mão, esconda-os ao perceber o que adquiriu, certo? É um conselho natalino para evitar faniquitos e surpresas bagaceiras.
Avante, Bulhufas, depois do Natal continuaremos comendo chester, bruster, porco e todo aquele acompanhamento até fevereiro.

VAZIOS
  Eu costumava chegar no jornal, lá em Caxias, cedo da manhã e passava pela cabine da telefonista, onde ficava conversando um pouco antes de ir para a minha sala.
Numa dessas vezes ela me olhou e disse: "Tudo bem, Motta? Parece que estás com a alma desarrumada!". Seus olhos leram a minha alma como nunca ninguém havia feito antes. Aquela moça, uma ilustre desconhecida, enxergou pela fresta da persiana da minha casa fechada e viu a mesa da sala com restos de um jantar inacabado, como se os convidados tivessem sido tragados pela noite escura sem terminar a refeição.
  Alma desarrumada, alma desarrumada; demorei pra me recobrar da surpresa, como se tivesse sido flagrado cometendo algum delito, sabe? Colei na boca um sorriso inoportuno e continuei mergulhado na minha casa desarrumada, vazia mas bagunçada, quartos empoeirados com pouca luz e agora não dá pra ajeitar tudo, nem vou receber visitas, mas preciso dar um jeito nisso.
Se a menina não me avisa ficaria tudo nesse abandono que só vi agora. 
  Aos poucos fui trocando os lençóis, sacudindo os tapetes, esvaziando as latas descascadas das prateleiras e jogando um montão de remorsos e inseguranças no forno eterno do esquecimento, no lixo. 
Tenho o péssimo hábito de colecionar saudades que, enfileiradas na janela, saltam no meu pescoço se, por descuido, passo muito perto. Ah, as saudades!   Como me livrar delas sem que percebam? Fizemos um pacto, então: só apareçam quando chamadas, certo? Nem acreditei que concordaram, as danadinhas!
Abri as janelas, iluminando a cama enorme e nem lembrava da cadeira de balanço com encosto de vime ali no canto, que coisa! 
  Que descuido o meu; abandonei-me, abandonei minha alma, deixei de lado o cuidado diário que minha casa precisa, corri o risco de me tornar mofado, cinzento, opaco.
  A partir disso procuro manter as coisas em ordem e limpas pra qualquer visita repentina - essas coisas acontecem quando tu estás de ressaca e com a barba por fazer - e sei que por mais que eu me prepare, as visitas à minha casa/alma são sempre inesperadas. Senão não teria graça, não é?
ANTIGUIDADES
No meu tempo, na minha época - falo na primeira pessoa pois não quero envolvê-los em coisas medievais - quase não havia acesso ao rock'n roll como hoje, que se você girar a torneira da pia da cozinha saltam a loura do Calypso e o Ozzy Osbourne ao vivo in concert.
Anos 70, em São Borja, tínhamos os primeiros contatos com a esbórnia encantadora do rock através dos conjuntos que tocavam nos bailes e nos traziam a voz e a música dos americanos doidos. Os Dinâmicos e Os Sheiks eram os dois melhores grupos que tocavam nos bailes dos clubes Recreativo, Comercial ou Fraternidade.
Dancei no embalo de Woman, Barrabas e da Photograph do Ringo Starr, sublimes. Depois vinham as melacuecas, entoadas por brasileiros que se faziam passar por ianques que nem Fabio Junior (Uncle Jack e Mark Davis) e Christian, esse mesmo da dupla sertaneja Christian & Ralph, que fez um baita sucesso com Don't Say Goodbye, trilha da novela Cavalo de Aço.
Eventualmente algum ricaço aparecia com elepês do Pink Floyd e do Deep Purple que o irmão trouxe dos EUA, e a gente tratava de gravar nas fitas-cassete TDK e BASF. As 3M eram uma lixa pro cabeçote do toca-fitas! 
Sim, havia músicas brasileiras como Antonio Carlos & Jocafi, que eram os mais dançáveis e outros que não lembro.
Em seguida fomos atropelados pela tecnologia e Mark Davis ficou no armário e o Fabio Junior assumiu o seu lugar e o Christian foi cantar com o Ralph dores-de-cotovelo alheias e nós crescemos e fomos trabalhar e cuidar na nossas vidas e dos nossos filhos. 
Quando acordamos de ressaca do baile de ontem, nosso neto entra no quarto e diz que o almoço tá na mesa e a vó tá fazendo pudim, na cozinha com a mãe e o tempo foi, passou e somos resultado daquelas noites sem fim com amigos e namoradas inesquecíveis que nos visitam ao adormecer. Sempre fomos felizes e sabíamos que éramos felizes, gente, ah, se sabíamos

domingo, 8 de dezembro de 2013

CONSELHOS DO TIO MOTTA
Se estás desabalado na balada e o melhor que aconteceu até três da manhã foi o garçom te passar a mão na bunda, é hora de partir pra ignorância! Mas, cuidado, muito cuidado, nessa hora da madrugada corres o risco com as maioneses de quermesse - ou melancia no sol - que surgirão das entranhas do inferno querendo te fazer mal, pequeno borracho.
Unhas vermelhas, voz rouca, perfume da Coty, um Dunhill babado e um pedido de kipikúler é o cartão de visitas desses temíveis seres que gravitam nas madrugadas bêbadas de tarados em fim de carreira que nem você, ó desatinado incauto!
Se for inevitável e aquele urubu lhe parecer a Daryl Hannah vestida de Mortícia, peça mais uma dose de qualquer coisa enriquecida com urânio e abra seu coração, deixe a poesia fluir e se derramar por entre os seios dela e espere pra vomitar quando o táxi parar na frente do hotelzinho da Comendador Coruja.
No sábado pela manhã o pior já terá acontecido e isso nada, mas nada mesmo, poderá te arrancar dali e te jogar embaixo do teu chuveiro, no aconchego do teu sacro e santo lar. Foi jurar amor eterno e dar vazão aos teus instintos mais baixos e rasteiros, mesmo sabendo o preço a pagar, azar é teu; aguenta o bafo de cinzeiro e reza pra não encontrar ninguém conhecido às onze da manhã, com o Mahmoud Ahmadinejad abraçado em ti em plena Cristóvão Colombo! Mas ontem essa coisa até parecia matável...bá, deixa pra lá!
Enfim, desejo-lhes suerte! Meu pessoal está on-line para aconselhamentos e sugestões eventuais 24h. 
Vou jantar e jogar um pouco de xadrez com minha mãe, a Norma. Até mais tarde.