segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

PURA BRUXA
Não que eu fosse um degenerado precoce, mas desde a infância as bruxas habitavam o sótão sombrio da minha imaginação. E nunca como criaturas aterradoras ou malignas, nada disso. Estavam lá guardadas, depois da matiné, rodopiando entre móveis envernizados ou ao piano solando Bach, vaporosas em seus vestidos etéreos, com aquele encanto sinistro que só as malvadas possuem.
O risinho tímido das donzelas virginais era sufocado pela gargalhada fascinante das bruxas esculturais e sublimes. Incomparáveis às Brancas de Neve ou Belas Adormecidas, tão frágeis e certinhas que chegava a dar pena. E dava, tanto que a gente torcia para que as temíveis bruxas se dessem mal pra mocinha casar com o príncipe encantado e terminarem em lua-de-mel no castelo do alto da colina por pura piedade, nunca por justiça, acreditem!
Mas até o príncipe, no fundo, no fundo, queria a elegante e voluntariosa bruxa má! A maldade fascina e as tolas princesinhas reclamavam muito do cheiro do cavalo, tinham a mania de conversar com os passarinhos enquanto poderiam estar preparando um banho afrodisíaco, com um vinho tinto cortado, vestindo meias sete-oitavos e um espartilho negro debruado com vermelho-sangue!
Agora é tarde! A bruxa linda, deliciosa maravilhosa caiu no penhasco e sobrou a princesinha enjoadinha que quer chamar um táxi pois odeia o cheiro do cavalo, o cavalo, a mãe do cavalo e rasgou a meia ao montar no cavalo, que ódio, que ódio!
Mas, enfim, me restava imaginar que o príncipe esperava a princesa se entupir de Rivotril e galopava para se encontrar com a bruxa má, que não morreu graças ao seu pterodáctilo doméstico que a levou para casa em segurança e eles viveram um lindo triângulo amoroso. Viram que lindo? 
Não custa nada esculhambar a Carochinha de vez em quando e deixar a criatividade funcionar, não é? 
Buenas noches, muchachos e muchachas!

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