domingo, 20 de outubro de 2013

MEUS AMIGUINHOS
Santa Maria, outubro de 1978. Morávamos num apartamento, na Floriano Peixoto, defronte ao Restaurante Universitário - o RU/UFSM - o Hilton Fagundes, sua irmã, a Ligia Fagundes Riesgo e eu, em alegre e saltitante bando. Frequentemente almoçávamos no RU, financiados pelo Geisel - já naquela época o governo subsidiava estudos pra gente que nem eu, pra falar mal dele, governo. Viram como a coisa é antiga? - e discutia-se muito política e a euforia dos que eram escolhidos para o Projeto Rondon.
O Hilton - vulgo Pinguim - e a Ligia, queimavam pestanas estudando para o vestibular, com o apoio do Josemar Riesgo, que, dedicado, coordenava os estudos e brigava, quando eu roubava cigarros Vila Rica, dele.
Eu não levava muito a sério, vivia enfiado na Krakelê, uma boatezinha com frequentadores de reputação duvidosa, que me vendiam fitas cassetes do Led Zeppelin, Deep Purple e Uriah Heep. Pra variar, um indisciplinado pecador. Mas frequentava o cursinho e tudo o mais, para dar um ar de que, alguma coisa boa ainda poderia sair do meu ser bisonho e aloprado. 
Num belo e angelical sábado, recebemos nossos amiguinhos de Porto Alegre para uma disputa futebolística, nas quadras do Colégio Santa Maria, ao lado do nosso prédio. Vieram, de trem, o Capincho, o Rogério Krieger e o Leoni Chateado - por causa dos chatos piolhos - montamos os times e fiquei de goleiro no time dos menos bêbados. O Kiko Burro Branco, de vez em quando, me colocava em pé debaixo da goleira. Incrível, eu não conseguia parar em pé, mas via tudo direitinho na minha frente! Fui amaldiçoado! A Tremapé me amaldiçoou com aquela cachaça desgraçada!
Quando as partidas terminaram, estávamos cansados porém borrachos, ainda.
Na rua o Rogério Krieger gritava: "Fora Geisel, Abaixo a ditadura, viva o proletariado! Viva Fidel!". Putaquiopariu, daqui a pouco vão nos prender por causa desse doido berrando aí! O Itamar Riesgo queria esganar o Rogério mas tinha que entrar na fila.
Naquele tempo falar mal do governo dava cadeia. Hoje só se pode falar mal do governo, viram que avanço? Não dá pra fumar, se der em cima da colega te processam, se chamar homoafetivo de viado te prendem, e por aí vai. Mas podemos 
falar mal do governo que não dá nada.
No domingo à tardinha fomos levar os bandalhos na ferroviária. Uma inofensiva turma de arruaceiros, de cara cheia, xingando o mundo capitalista, até que acordei noite fechada, dentro de um vagão de segunda classe do trem sacolejante, com uma donzela sorrindo pra mim! Parecia um carro de bombeiros, tudo vermelho, ela só tinha gengivas e um único dente, na frente. O nome dele poderia ser Onde Vais, Ó Garboso Infante, juro que podia!
O Capincho roncava num banco de ripas e o Rogério Krieger falava sobre a grande marcha de Mao prum bêbado anônimo, que babava ao fingir ouvi-lo. Quem sou, onde estou, ouço vozes! Eu não deveria estar nesse trem. Acho que vou vomi...não deu tempo! A menina banguela ficou puta da vida e me xingou com palavrões esquisitos e sumiu; o Capincho me explicou que o Leoni deu o dinheiro da passagem pra eu ir a Porto Alegre e ficar na casa do Rogério até juntar dinheiro pra voltar.
Ah, bom, agora sim entendi, tudo meticulosamente planejado pelos meus camaradinhas bebuns, um amor. Vou ficar uns dias em Porto detonando, sem um centavo no bolso, isso vai ser insano, vai mesmo. Mas isso é outra história, depois da fisioterapia eu conto.
Bom sábado pra todos e todas, irmãos paroquianos.

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