quinta-feira, 17 de outubro de 2013

FADA DOS DENTES
Em 1923, o Brasil sediou o III Congresso Sul-Americano da Criança, no Rio de Janeiro. Em novembro de 1924, aproveitando esse evento, a partir de um decreto do deputado federal Galdino do Valle Filho, foi instituído o 12 de outubro como o Dia da Criança no Brasil.
Mas ficou uma data meio que pra holandês ver. Somente em 1955 é que a Estrela, fabricante de brinquedos, para alavancar as vendas, redescobriu o Dia da Criança e trabalhou fortemente numa campanha que resultou em ótimos resultados, consolidando a data. Em 1959 eu cheguei ao mundo daquele jeito que já contei pra vocês, feio que nem bater na mãe, mas achando tudo engraçado. Um pouco frustrado, quem sabe. 
Não aguentava mais leite, leite, leite, já me me convenceram de que sou um mamífero, agora chega de leite, pelo amor de Deus! Me dêem uma dentadura postiça pra eu poder mastigar uma linguiça campeira, um naco de charque ou uma mandioca frita! O pior era não poder falar, não saía nada, daí eu chorava, todos corriam e me embalavam e eu vomitava. Leite, é claro!
Com meia dúzia de fiapos de cabelo, desdentado, não conseguindo falar, me mijando e me borrando de quinze em quinze minutos, o que será de mim nesse mundo doido, pensei com minhas fraldas de pano encharcadas. E vá leite goela baixo.
Minha esperança era aquele grandão, de boina e bigode preto que a mãe chama de Demêncio. Tio Demêncio tinha me oferecido uma rapadura que tirou do bolso, meio roída, eu sorri e estendi as patinhas dianteiras pra pegar, mas minha mãe deu uma ralhada nele: "Onde já se viu, Demêncio, dar rapadura pra criança nessa idade, seu abostado!".
Resumo do causo: só fui comer comida de gente quando já estava em casa, mas foi um processo lento, gradual e irrestrito. Primeiro uma papa branca sem gosto, depois uns pedacinhos morcilha preta, aí Tio Demêncio botava embaixo do meu travesseiro rapadura quebradinha, era tudo de bom.
Mas teve um momento mágico - eu ainda enxergava tudo azulado, a visão desenvolvendo - em que alguém, sem cheiro nenhum, sussurrou no meu ouvido: "Não esquece que tu veio pra cá pra te divertir!". E pluft, sumiu. Jamais esquecerei disso. E só não esqueci como levei e levo a sério o conselho, recebido não sei de quem.
Acho que, por isso, inconscientemente, continuo criança, meio irresponsável, incapaz de conversar adultamente por muito tempo. Um bobo alegre. Um feliz bobo alegre!
Feliz Dia da Criança pra vocês, aconselhei Seu Hortêncio, meu vizinho de quarto, a colocar a dentadura debaixo do travesseiro, pode ser que a fada dos dentes esteja pagando em dólar, hein, hein?

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