domingo, 23 de junho de 2013

Estou feliz, recebi visitas! O Kau Machado e o Érico Feitosa, homem de grandes feitos! Me trouxeram ouro, incenso e mirra. Comemos mirra com incenso e entregamos o ouro pros bandidos. Servimos, juntos, em 1893, naquela guerra do velho Julio de Castilhos contra o Gaspar Martins. A turma do Gaspar Martins eram os maragatos, lenços vermelhos, e os do velho Castilhos, lenços brancos, chimangos. Era uma guerra entre irmãos, pelo poder. Gaúcho contra gaúcho! Foi uma sangueira bárbara, se mataram que nem bichos. O Kau tinha um bolicho ali pela Serra do Iguariaçá e foi aliciado pelo Érico, que era responsável pela cozinha e mantimentos de uma das tantas tropas maragatas. O Kau foi, pois era uma maneira de escapar de uma grossa dívida no jogo de truco, que tinha contraído com uns paraguaios lindeiros do falecido Miloca, tava difícil de pagar e os paraguaios não parcelavam nem davam carnê. E eram muy bandidos! Os dois já estavam quase ricos vendendo porcarias - além de canha, cachaça - para a indiada baguala da tropa. Além de cozinharem e cuidarem do estoque de bóia, arrebanhavam o que encontrassem pra vender depois. A carreta-cozinha era abarrotada de fumo em corda, palha para palheiro e muita canha! Eu era um gurizote, auxiliar de ferreiro, perto de Santiago, e quando essa tropa passou por lá, o sargento Murcilha, um índio com um bigode que parecia um preá atravessado na cara, falando um misto de guarani com castelhano, me convidou pra me juntar a eles. Precisavam de alguém que entendesse de ferrar a cavalhada e consertar as carretas. Mas foi pra já! Me estabeleci na carreta-cozinha e fomos, os três, construindo uma bela amizade, regada a canha e patacões de ouro. Depois de apaziguados os ânimos, quando o presidente Prudente de Morais fez as partes assinarem a paz, continuamos, Érico, o Kau e eu, rumo à capital, buscando nos estabelecer. Mas, por essas coisas do destino, nos separamos e voltamos a nos encontrar já no novo jornal do Rio Grande do Sul, a Zero Hora. Por pura coincidência! Mais velhos, mais cautelosos, o Érico e eu ainda solteiros, o Kau no oitavo casamento, já tinha bisnetos. Nunca vi casar tanto, amigos! Então, hoje, foi dia de recordar, dia de reminiscências, apesar da idade, ainda estamos em uso. A vantagem de nascer feio é que é muito difícil piorar, pode ficar um feio menos aprazível, mas não muda muito. Se tu é bonito, envelhece e ouve, de cochicho: "Como ele está ruinzinho, né?". E nossa amizade está viva, senhores! Isso não tem preço! Podemos estar meio avariados pelas intempéries, mas nossas almas pulam de felicidade por vivermos e gostarmos de viver. Viva nós, seus maloqueiros!

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