quarta-feira, 12 de junho de 2013

Abro os olhos e vejo Maria Cristina desfocada, aos poucos a imagem vai ficando nítida e ela fala comigo e sorri. Muita sede, quero um gole de Coca-Cola, qualquer coisa líquida. Ao redor uns caras de jaleco branco falam sem parar, parece que estou encaixado numa cama de bordas metálicas, quase vertical, e um barbudinho começa a me fazer perguntas e respondo com movimento da cabeça, sinto um tubo grosso nas narinas, acho que em formato de V, muito incômodo. Vem o Kau e fala alguma coisa e começo a lembrar de um pessoal empurrando a maca onde estava, num alarido, acho que não queriam que eu desembarcasse agora. O trem parou e eles não querem que eu desça, minha parada é bem mais adiante; da maca sou removido pra outra, tipo uma cama e um pessoal, de rosto coberto até os olhos, fala comigo e respondo qualquer coisa. Colocam no meu focinho uma máscara, anestesia, eu acho. A dor intensa começa a passar e acordo olhando pra Maria Cristina, sorridente. Ela conta que fiquei em coma quatro dias, operado de um negócio chamado Síndrome de Furnier. E meu trem segue viagem, não desembarquei graças a esses caras de jaleco branco. Já na CTI, sem os plugs indesejados no nariz, tomo uma caixinha de suco de abacaxi maravilhoso, quero mais. Não, não, o senhor tem que começar devagar. Uma picanha mal-passada, por favor. Do Komka. De vez em quando alguém mexia na minha barriga e eu ali, quietão, meio encagaçado, mas tendo sonhos gloriosos abaixo de morfina, muito legal! Antes de ir pro quarto, Maria Cristina me falou da bolsa de colostomia, que eu não sabia muito bem o que era. Paciência, vamos encarar mais essa, né? Minha mãe, a Norma, dura na queda, sempre sorrindo, o Zá, o Idelê, o Lobinho, que tinha recém chegado do Rio, me visitavam quase diariamente. A Ana Maria não quis me levar um torresmo, mas vou perdoá-la, o momento não era pra torresmo. Eu estava vivo, motivo pra comemorar nem que fosse com um copo de sonrisal, já que champanhe não dava, rarara! Isso que chamo de A Um Passo da Eternidade, senhores ouvintes! Foi divertido, mas não brinco mais assim, não mesmo! Lembro que São Pedro me deu uma olhada como quem diz: Dá meia-volta, tem um monte de credores te esperando lá embaixo, não pense que vai escapar das contas! E aqui estamos, quase sem munição mas avançando. Buenas noches, camaradas!

Nenhum comentário:

Postar um comentário