domingo, 12 de janeiro de 2014

TECNOLOGIA
Vou contar-lhes uma passagem inesquecível da minha vida de campanha, quando morávamos em Conde de Porto Alegre, distrito de São Borja, meu padrasto Cyro Rangel, a Norma, o Augustinho, filho do Cyro - meu irmão dado pela natureza - e eu.
Num domingo morno de julho fomos visitar dois gêmeos paraguaios que moravam solitos num fundo de campo lá atrás da Fazenda Santa Rita, num ranchinho de capim santa-fé barreado, mais bonito que muita casa de povoeiro! Eram antigos amigos e parceiros de patacoadas do Cyro, que lhes tinha grande estima. 
Os dois beirando os cinquenta anos, indiáticos, barba rala, de uma parecença incrível até nas bombachas arregaçadas nos joelhos e chapéus de copa rasa e aba estreita, tapeados na testa; assim eram Astério e Antero, os paraguaios.
Entre um chimarrão e outro, Cyro presenteou-lhes com um relógio despertador desses antigos, de dar corda, explicando-lhes como funcionava a engenhoca e tal.
Mesmo analfabetos, eram perspicazes e aprenderam ligeirito no más!
No outro domingo voltamos lá, mais por curiosidade em saber como foi a lida deles com o tal relógio do que qualquer outra coisa.
Sentados diante do fogo de chão, no pequeno galpão perto do rancho, Cyro perguntou, enquanto servia mais um mate com a chicolatera* tinindo de quente:
- Mas e daí, Astério, que tal funcionou o relógio?
- Bueno, Cyro, o relojo véio às vez atrasa, às vez adianta, acho que tá meio amolado o tareco!
- Mas perái, Astério, como é que vocês sabem que ele adianta ou atrasa se nem rádio vocês tem aqui?
- É que daqui dá pra ver o trem que vai pra São Borja e passa às duas hora da tarde, lá na curva dos ocalito*, tá vendo? Pois então: tem dias que o trem passa e o relojo véio marca duas e meia, tem dias que o trem passa e ele marca quinze pras duas...
Pura verdade, amigos e amigas! Eles confiavam mais no trem do que no relógio, acreditem!
Me sinto um pouco assim quando toca em comprar alguma coisa pela internet, tenho medo de ser surrupiado, enrolado pelos sacripantas virtuais, e meu filho, o Lobo, ri da minha cautela. Não sei não, prefiro ir na loja até me amansar bem nessa tecnologia. Ou tequenologia!
Bom almoço pra vocês!
*Chicolatera - Chaleira improvisada, normalmente uma lata de azeite Cocinero argentino que tinha alça de arame, pra fazer café e esquentar água pro mate, na beira do fogo de chão.
* Ocalito- Eucalipto

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